segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Império dos Sentidos

A exibição de filmes pornográficos é um capítulo interessante da história do Cine Argus. E controverso. A decisão de incorporar o pornô na programação do Argus dividiu opiniões em Castanhal, cidade do interior do Pará na qual o cinema fez parte da programação da semana santa, com a exibição do filme A Vida e Paixão de Cristo, de Ferdinand Zecca, por quase quatro décadas.
Foto: Acervo Família Carneiro.

A foto acima reproduz bem essa contradição. No Cine Argus, o cartaz à direita apresentava os filmes em exibição. O que ficava à esquerda anunciava as próximas atrações. No dia em que a foto foi feita (provavelmente década de 90), estavam sendo exibida uma dobradinha de sexo explícito, que seria sucedida dias depois por A Vida de Cristo. Públicos distintos para uma programação diversificada. A polêmica, é claro, afastou uma parcela de espectadores mais religiosos. Mas, o público atraído pela novidade dos "filmes impróprios para menores" suplantava e muito esse afastamento. Tanto que os filmes pornôs ganharam dois dias exclusivos de exibição: às terças e quartas-feiras. E nos últimos anos do Cine Argus deram uma sobrevida a mais ao cinema de Castanhal, Não fossem por eles, é provável que o Argus tivesse fechado antes mesmo de 1995.

Segundo Amílcar Carneiro, programador do Cine Argus de 1982 a 1995, foi com um filme de arte, em 1981, que teve início a exibição de filmes pornôs no Cine Argus. Nada mais, nada menos do que Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima, que causou um certo reboliço na cidade. Com o grande sucesso de público, o gênero se consolidou rapidamente, Daí em diante, muitos jovens aguardavam ansiosos por completar 18 anos e poder assistir aos filmes de sexo explícito. E alguns conseguiam burlar a proibição e entrar na sessão erótica antes mesmo da maioridade. Já dizia o Pati: "tinha muito moleque perverso!".

Cena de Império dos Sentidos (Nagisa Oshima, 1976)

José Tavares, um dos "muleques perversos" do Cine Argus (hoje servidor público no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA), em entrevista ao documentário Memórias do Cine Argus, relembrou travessuras do seu período de adolescente. Tavares conta que vendia sacos no Mercado de Castanhal, através do que ganhava um dinheirinho pra assistir a filmes no Cine Argus aos finais de semana. Quando não podia pagar, o jeito era furar o bloqueio do Pati, porteiro e zelador do cinema de Seu Duca. Conta que seus filmes favoritas eram os de faroeste e os de luta. Pelo menos até começar a frequentar as sessões pornôs. 

"Os filmes eram pornô, mas eram filmes com história, no qual a gente aprendia pra conversar com as gatinhas no colégio. Hoje, não. A gente vai assistir um filme pornô, começa transando, termina transando, não tem conversa nenhuma", afirma Tavares, que relata no documentário que teve a possibilidade de levar algumas meninas da escola onde estudava, ou do cabaré, para o Cine Argus em dia de exibição pornográfica. No escurinho do cinema, os amassos corriam soltos e dava pra "treinar" as performances da tela e, de quebra, ganhar o primeiro boquete da vida. 

Muitas histórias bem pitorescas marcam os dias de exibição dos pornôs no Cine Argus. Outros relatos deverão se somar ao de Tavares na versão longa-metragem do documentário Memórias do Cine Argus, a ser lançada em fevereiro de 2016.

José Tavares em Memórias do Cine Argus (2014).

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